sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Filhos X Divórcio

Como psicóloga clínica e terapeuta de família vejo crianças de todas as idades enfrentando com sofrimento as crises conjugais dos pais. Os problemas do casal sempre afetam os filhos, em maior ou menor grau e quando essas dificuldades resultam em separação, há um grande trabalho a ser feito.

Apesar do divórcio ser uma realidade cada vez mais presente, não podemos esquecer que é uma crise inesperada do ciclo evolutivo da vida familiar. Por ser uma crise, demanda muita energia e estrutura psíquica para ser elaborado sem grandes traumas.

Nesta crise todos sofrem, pois ela gera uma mudança na estrutura da família, muitas vezes desorganizando os papéis e hierarquias, gerando conflitos de lealdade, etc. O casal se vê sobrecarregado: precisa elaborar sua dor pessoal como homem/mulher, sofrendo com o luto da vida conjugal, e ainda se manter organizado como pais, podendo acolher e cuidar da dor dos filhos. Não é uma tarefa fácil, por isso muitas vezes tanto os pais quanto os filhos precisam de ajuda para superar estas mudanças.

Estudiosos da teoria sistêmica apontam 6 tarefas psicológicas a serem realizadas por filhos de pais separados. Esses estágios precisam ser vividos em plenitude para elaborar sentimentos que ficaram mal resolvidos a partir da separação. São eles:
1ª) Reconhecimento da separação conjugal
2ª) Obtenção de um distanciamento do conflito conjugal e a retomada dos afazeres cotidianos
3ª) Resolução da perda
4ª) Resolução da raiva e da auto-acusação
5ª) Aceitação da permanência do divórcio
6ª) Esperança realista em relação ao seus próprios relacionamentos no futuro

Não há um tempo estimado para passar por esses estágios, pois tudo vai depender do desenrolar do processo de divórcio e da capacidade da família se organizar para passar pela crise. A psicoterapia, tanto individual quanto familiar tem muito a ajudar neste processo, pois um profissional bem qualificado pode identificar em que estagio a família esta e ajudá-la avançar rumo a uma melhor qualidade de vida.

* Resumo do artigo “ Divórcio – Uma batalha a ser superada pela família” – Trabalho de conclusão do 1º Ano da Especialização em Terapia de Casal e Família no CEFI - Porto Alegre – Autoras: Dayani Croda Machado e Juliana Mano Hartmann

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Casamento



Casamento: a lógica do um e um são três
Quando penso em casamento sempre me vem em mente aquele símbolo das duas alianças entrelaças, imagem tão comum nas certidões de casamento em diversas religiões. O que me encanta nessa imagem não é a simbologia das alianças como algo eterno, ou qualquer visão romântica da simbologia do compromisso, mas sim em como a representação gráfica desta imagem traduz com clareza a complexidade de ser um casal.

Quando falo em casamento, não estou me referindo à questão jurídica, mas sim ao ato de dividir a vida com alguém, numa relação de comprometimento. Este ato de se comprometer, de realmente partilhar, é algo muito complexo, tanto que muitos casais, apesar de “casados oficialmente”, na realidade, nunca chegaram a casar emocionalmente, não construindo o que chamamos de conjugalidade, a formação de um verdadeiro casal.


Acredito que todo fascínio e toda dificuldade de ser casal, reside no fato de o casal encerrar, ao mesmo tempo, na sua dinâmica, duas individualidades e uma conjugalidade. Voltando ao símbolo, cada aliança separadamente significa um indivíduo, com seus desejos individuais, sua história, sua inserção de mundo, sua percepção da realidade, seus projetos de vida, sua identidade, sua família de origem... e a parte em que elas se entrelaçam significa a conjugalidade, que constitui um desejo conjunto, uma história de vida conjugal, um projeto de vida de casal, uma identidade conjugal. Esse símbolo mostra o dilema: Como ser dois sendo um? Como ser um sendo dois? Na lógica do casamento contemporâneo, um e um são três.


Construir e viver essa lógica é o grande desafio da vida adulta. A primeira etapa é conseguir formar um verdadeiro casal: ter clara sua identidade individual, conseguir a distancia ótima da família de origem e conciliar projetos individuais com conjugais., abrindo espaço para compartilhar uma vida. A segunda etapa é construir a conjugalidade, esse espaço conjunto que é formado pela identidade do casal.


O malabarismo do casamento é equilibrar essas partes: não anular seu lado individual, não anular a individualidade do outro, não supervalorizar nem minimizar o nós... Harmonia, clareza, limites bem definidos, como a bela imagem das alianças entrelaçadas, é o sonho do casamento feliz e realizador.


A terapia de casal tem muito a contribuir em todo esse processo, pois dispõe de inúmeros recursos para ajudar a promover uma conjugalidade saudável. Há um mito de que terapia de casal resulta em separação, mas ele não é verdadeiro. O compromisso da terapia é com a promoção da saúde emocional dos membros do casal e não com a manutenção ou a ruptura do casamento.


Muitas vezes a terapia de casal é o caminho para realmente entrelaçar alianças rumo à realização pessoal/conjugal. Em alguns casos, ela inicia com o tratamento individual de um dos membros do casal, que com a psicoterapia individual, consegue sistemicamente gerar transformações na relação conjugal. Seja qual for o início, qual a escolha do caminho, sempre se pode dispor de ajuda para buscar qualidade de vida e de relacionamentos.


Dayani Croda Machado
CRP 07/14.656

A importância da família


O homem é um ser sabidamente social. Pode-se perceber que diferente de outros mamíferos, nós precisamos de cuidados básicos oriundos de outro(s) ser(es), geralmente os pais, por longos – e cada vez mais longos – anos de nossas vidas. Ou seja, já nascemos vinculados e dependentes, uma vez que é impossível sobrevivermos nossos primeiros anos sozinhos. Isso tem verdadeiramente uma grande implicação no futuro.

Logo após o nascimento, nossa dependência e ligação com outros semelhantes são vitais. Precisamos dos mais velhos e mais experientes para nos alimentarem e nos protegerem do frio e de diversas outras ameaças do mundo externo. Na nossa cultura, esperamos que esse papel protetivo seja cumprido pela família (que pode ter ligação biológica e/ou afetiva). Tudo isso serve para dizer que estamos desde muito cedo emaranhados física e emocionalmente com aqueles que nos rodeiam.

Com os anos, a qualidade da dependência da família vai se modificando. As vivencias de cada um estão altamente vinculadas àqueles com quem se convive. A experiência é de todos os membros, sendo particularmente percebida a partir da ótica de cada indivíduo. Embora cada um possa enxergar de uma forma pessoal, a experiência e o ciclo familiar pertencem a todos.

Em famílias com crianças e adolescentes, muitos dos comportamentos manifestados pelos filhos refletem uma dinâmica que pertence ao grupo familiar como um todo. É muito difícil pensar que pessoas, tão cedo em suas vidas, por estarem altamente vinculadas a seus familiares, possam ter conflitos descontextualizados, isto é, fora de suas relações principais. Aqui, não nos referimos a culpa, mas a uma compreensão sistêmica, na qual não é possível pensar de forma isolada, tampouco linear. Atualmente, não se compreende um problema de ordem psicológica, partindo de uma relação causa-efeito, na qual uma coisa causa outra e ponto final, mas sim a partir de uma visão ampla, de multideterminação.

Evidentemente, isso não serve apenas para famílias com crianças e adolescentes. As questões “de relação” podem se apresentar em qualquer momento do ciclo vital da família. Por mais que se possa fazer um movimento de individuação, os vínculos tão fortemente experimentados na infância podem ter e, geralmente têm, uma grande influência em etapas mais tardias de nossa existência.

Assim, mais do que uma compreensão jurídica da importância da família que, aliás, vem mudando (e precisa ser mudada), devemos pensar esse restrito núcleo como o primeiro espaço de relações interpessoais. É, pois, no âmbito familiar que o ser humano vivencia os exemplos que utilizará no estabelecimento de suas relações futuras.


Texto publicado no Jornal do Eixo Baltazar - Porto Alegre -  Julho de 2008